“É som de preto
De favelado
Mas quando toca ninguém fica parado”
É som de preto — Amilcka e Chocolate
Você já deve ter ouvido falar do funk. Há muitas pessoas hoje em dia que amam esse ritmo, outras que detestam. Quando pensamos em Rio de Janeiro, há algumas pessoas que vão imaginar logo o samba, mas, dos anos 90 para cá, muita gente começou a associar a imagem da cidade maravilhosa ao baile funk.
Mas afinal, o que funk significa?
O termo funk se refere a um gênero musical que teve sua origem nos anos 60 nos EUA e que é uma mistura de vários outros ritmos afro-americanos. Certamente você já ouviu falar de James Brown, por exemplo.
Mas o funk carioca é uma vertente que foi para o Brasil e se desenvolveu de outra maneira completamente diferente, como funk ostentação, funk proibidão, funk melody, etc.
“Prá dança créu
Tem que ter disposição
Prá dança créu
Tem que ter habilidade
Pois essa dança
Ela não é mole não
Eu venho te lembrar
Que são 5 velocidades…”
MC Créu — Créu
A palavra funk, no entanto, pode significar várias coisas em inglês. Ela pode fazer referência ao “fuck”, pode estar relacionada a um sentimento de terror e medo e, ao mesmo tempo, pode designar um mau cheiro muito forte. No início, a própria palavra “funk” tinha conotações sexuais do fuck e não é à toa, o ritmo é sexy e dançante mesmo. Ou, como veremos, podemos até mesmo pensar num funk you, contra uma sociedade que marginaliza os adeptos desse ritmo.
Uma das figuras do funk que você certamente ouviu também falar são os MCs. MC significa Mestre de Cerimônia em inglês. Mas, para entender mesmo o que funk quer dizer temos que entender melhor a sua história.
Como surgiu o funk?
Ele é um estilo hoje em dia muito popular no Brasil, mas foi na América do norte onde o funk surgiu e foi especificamente na música negra dos anos 60. Esse funk, que tem pouco a ver com o funk brasileiro hoje, teve origem no soul, jazz, R&B e rock e foi criado nessa fusão.
O que caracteriza esse estilo é a forte batida no ritmo junto com uma percussão marcante e dançante.
No Brasil, o funk carioca possui o mesmo nome daquele dos EUA, as mesmas influências, mas o ritmo é completamente diferente. Ele conserva as influências da música negra americana como o Miami Bass e o Free Style.
Então podemos dizer que o funk brasileiro mais conhecido como funk carioca surgiu na Flórida, como um estilo erótico e de batidas mais rápidas.
Um pouco antes dos anos 80, os famosos “bailes da pesada” feitos no Canecão pelo Big Boy e Ademir Lopes exploravam muito o Soul e o funk americano. É em 1973 que surge, no Brasil, o som da Furacão 2000 que trazia à tona uma expressão conhecida como Black Rio se referindo à essa atitude afro-americana com as fusões desses vários ritmos dançantes, marcantes e sexy.
Nesse período, a Disco tinha muita popularidade no Rio de Janeiro e é com essas experimentações que o comandava esse frenesi Black da música carioca.
Com a comercialização e a fusão com outros estilos como o rap, o funk ficou conhecido como é hoje no Brasil. Nessa década, houve uma ruptura com o funk tradicional e com isso surgiram vários outros subgêneros.
É mais menos em 1989 que os bailes funk cariocas começaram a ser um atrativo cultural para muitas pessoas. No início, as letras relatavam a vida nas favelas do Brasil, as armas, a violência e o uso de drogas, modificando-se para músicas com conotações eróticas e de duplo sentido.
“Ele disse que na feira
Pelo preço de um bujão
Eu comprava a geladeira
As panelas e o fogão
Tudo isso tu encontra
Numa rua logo ali
É molinho de achar
É lá na feira de Acari”
Feira de Acari — Mc Batata
Um dos melôs mais famosos que marcaram um período político do funk carioca foi o Feira de Acari, que falava da Robauto, uma feira de carros roubados no bairro Acari.
Os bailes de favela foram sendo realizados mais e mais nos subúrbios do Rio. Ali, as equipes disputavam quem tinha os sons mais potentes, quem era o público mais fiel e quais eram os melhores MCs.
Foi aí que a figura do Dj Marlboro surgiu, sendo um dos protagonistas desse movimento. Com o tempo, todo morador de comunidade carente tinha seu funk predileto e se sentia cada vez mais representado pelas letras que falavam a sua linguagem e o seu cotidiano na favela, junto com a violência e a pobreza.
O funk era um verdadeiro cano de escape cultural para os jovens que se sentiam à margem da sociedade, uma verdadeira liberdade sentida, dançada e cantada por cada um com seu grupo preferido.
Nos anos 90, os melôs do rap foram criando identidades próprias e se distanciando completamente do ritmo norte americano. Os bailes se multiplicavam dia após dia. E é claro, a alta sociedade e a sociedade em geral não viam com bons olhos esse estilo musical.
O preconceito tomou de conta, não só porque o funk pertence às camadas mais pobres, mas também por conta dos famosos corredores de disputa entre os grupos rivais. Esses corredores resultavam em mortes.
Juntando preconceito com fatos noticiados nos jornais, a sociedade queria proibir os bailes e a expressão artística e popular daqueles jovens. Mas a arte sempre tem a sua resposta interessante.
“Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
Fé em Deus, DJ”
Eu Só Quero É Ser Feliz — Rap Brasil
Os artistas começaram a retribuir o preconceito e a exclusão social com pedidos de paz e canções que estabeleciam a paz na rivalidade dos grupos. “O som de preto e de favelado” agora passava a se tornar funk melody, com algo mais romântico e melódico, seguindo ainda mais o Freestyle americano e ganhando audiência nas rádios nacionais.
Foi aí que o Brasil todo passou a dar atenção ao Latino, ao Copacabana Beat, ao MC Marcinho, etc. Em meados dos anos 90 esse estilo funk com rap passou a ser transmitido no Brasil inteiro.
O que a sociedade julgava como moda passageira, desceu os morros cariocas e chegou às áreas nobres. O programa Furacão 2000 passou a ser transmitido para o Brasil todo, a apresentadora Xuxa trouxe à tona artistas como Claudinho e Bochecha entre outros.
“Quero te encontrar
Quero te amar
Você pra mim é tudo
Minha terra, meu céu, meu mar”
Claudinho e Buchecha — Quero te encontrar
Rap do Silva, Rap do Solitário e cantores como MC Marcinho, Sapão e Bonde do Tigrão passaram a ser conhecidos. Foi a fase áurea do funk, onde todos de fato ouviam e as pessoas nas ruas, nas festas de crianças e adultos sabiam decorados os melôs como “Uh, tererê!” (que é uma forma abrasileirada do rap “Whoop! There it is!” do Tag Team) e também “Ah, eu tou maluco!”, virando até temática de Carnaval na Viradouro.
“Vai glamurosa
Cruza os braços no ombrinho
Lança eles pra frente e desce bem devagarinho
Dá, dá, dá uma quebradinha e sobe devagar
Se te bota maluquinha
Um tapinha eu vou te dar porque
Dói, um tapinha não dói
Um tapinha não dói
Um tapinha não dói
Um tapinha não dói, só um tapinha”
Só Um Tapinha — Bonde do Tigrão
Aos poucos começou a surgir o “Proibidão”. O funk que voltava a falar do tráfico, do crime, provocações e rivalidades entre os grupos. Essas músicas tinham pouca difusão, era algo mais local e no final dos anos 2000 as músicas eróticas voltaram com tudo. Com esse estilo mais erótico, o funk começou a integrar mais classes sociais e sua batida apelidada de “pancadão” e as fusões rítmicas do samba, funk, soul e rap cativou ainda mais público. E isso vem acontecendo até os dias de hoje.
O funk e a lei
Muitas pessoas no Brasil se perguntam: Por que o funk faz sucesso? Por que funk é tão ruim? Por que o funk é um dos ritmos mais ouvidos atualmente? Ou por que o funk sofre preconceito?
É provável que a maioria das letras de funk fale sobre sexo. As coreografias também. O que faz grande parte da sociedade achar impróprio e vulgar para crianças, por exemplo.
Há pessoas que não se sentem confortáveis ao ver seu filho ou filha dançando movimentos sexuais e cantando letras com palavras vulgares. Isso toca um ponto sensível da sociedade brasileira, ou do que dizem ser a sociedade brasileira.
O funk tem sido um alvo muito comum da sociedade do Brasil atual, sendo bastante criticado por todos os lados, por ser vulgar, violento, pobre, obsceno e fazer apologia às drogas.
Mas o que é a arte senão um meio de fazer essas expressões sociais ganharem voz também?
Grande parte da crítica vem dessa associação do consumo de drogas nos morros, o som alto que não respeita o volume em ambientes públicos e as leis vigentes.
“Vai, malandra, an an
Ê, ‘tá louca, tu brincando com o bumbum
An an, tutudum, an an
Vai, malandra, an an
Ê, ‘tá louca, tu brincando com o bumbum
An an, tutudum, an na”
Vai malandra — Anitta, MC Zaac, Maejor
Em 2017, tentaram criminalizar o gênero musical no Senado Federal, mas o relator da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado rejeitou o projeto. Esse, no entanto, foi o mesmo ano em que Anitta lançou “Vai malandra”.
Ela fez uma crítica à proposta e foi também alvo de críticas por tornar o corpo feminino objeto sexual.
“Que tiro foi esse, viado!
Que tiro foi esse que ‘tá um arraso!
Que tiro foi esse, viado!
Que tiro foi esse que ‘tá um arraso!”
Que tiro foi esse — Jojo Maronttinni
Em 2018, “Que tiro foi esse” de Jojo Maronttini foi acusada de apologia à violência. “Só surubinha de leve” de MC Diguinho foi acusada de fazer apologia ao estupro e foi retirada do Spotify.
“Pode vim sem dinheiro
Mais traz uma piranha
Pode vim sem dinheiro
Mas traz uma piranha
Brota e convoca as puta
Brota e convoca as puta”
MC Diguinho — Só Surubinha de Leve
O funk é de fato um tema polêmico, mas que traz à tona uma série de questões relevantes para a sociedade brasileira do nosso tempo, como uma boa expressão artística que é. É claro, você gostar de funk ou achar que funk é lixo, isso é uma questão apenas de gosto, mas não aceitá-lo como cultura é uma questão de preconceito.
Afinal, o funk é cultura?
Existe um movimento chamado Funk é Cultura que luta contra a monopolização no mercado do funk e defende o ritmo como uma expressão cultural e como patrimônio cultural.
Esse Movimento defende o funk como uma das maiores expressões culturais do Brasil e que mostra o estilo de vida e a experiência dos jovens de periferias e favelas.
Existe também uma Associação de Profissionais e Amigos do Funk APAFunk que fortalece esse movimento como produção alternativa de divulgação daqueles artistas que não tem lugar no mercado.
Relacionar o crime ao funk é muito comum. No entanto, muitas pessoas lutam por projetos de lei que reconheçam o funk como manifestação cultural e de caráter popular, defendendo que o funk não pode ser discriminado e que os bailes funk possam acontecer sem invasão de batalhões, comandantes, ou agentes do estado.
Isso porque muito de seus artistas são vistos como se fossem criminosos, o que agrava ainda mais o preconceito social.
Algumas pessoas defendem que o funk não é música ou que é apenas uma projeção da decadência da música. Mas ele é uma manifestação artística e uma forma de cultura.
“Malandramente
A menina inocente
Se envolveu com a gente
Só pra poder curtir
Malandramente
Fez cara de carente
Envolvida c’a tropa
Começou a seduzir”
Nego Bam e Dennis DJ — Malandramente
O funk não se adéqua ainda hoje à sociedade brasileira que é habituada, desde a escravidão, a rejeitar seja a capoeira, o samba ou tudo aquilo que vinha dos batuques das senzalas. O fato é que não podemos regredir e continuar avaliando as coisas com esses mesmos olhares para movimentos populares e para a arte brasileira.
A partir dos anos 2000 tivemos leis para regularizar os bailes funks. E foi em meados dos anos 2000 que vários artistas começaram a incorporar tanto no Brasil quanto no exterior esse estilo. A exemplo da cantora inglesa M.I.A em Bucky Done Gun.
Em 2009, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou o funk como movimento cultural e musical de caráter popular do Rio de Janeiro.
O funk tem ganhado muita visibilidade. Artistas como MC Delano, Ludmilla, Nego do Borel e, por exemplo, a música “malandramente” de Dennis DJ e MCs Nandinho e Nego Bam foi de grande destaque em 2016, alcançando um dos maiores números de visualizações no Youtube.
Funk e feminismo
“Sou cachorra chapa quente
Sou uma gatinha manhosa
Vou fazer tu derramar
O seu líquido do amor
Ai, que tesão, vou te arranhar”
Cachorra Chapa Quente — Tati Quebra-Barraco.
Outra polêmica atual é esta. O funk e o feminismo têm ganhado voz cada dia mais. As funkeiras põem em suas letras o prazer sexual, a opressão e rompem os padrões de belezas usuais.
As letras da Tati Quebra-Barraco, por exemplo, abordam isto, como também Deise da Injeção e As Danadinhas, trazendo à tona a bandeira da liberdade sexual e da igualdade. Elas defendem o direito ao prazer, vão contra as opressões que as mulheres se submetem historicamente e rompem padrões de beleza. Nenhuma delas é loira, magra, mas dançam cantam e se apresentam justamente fora desses padrões impostos socialmente por serem mulheres, pobres, negras e faveladas.
Como vimos, o funk é bastante polêmico e traz uma verdadeira luta para uma expressão artística. Vários outros ritmos e elementos da cultura tipicamente brasileiros passaram por isso e ainda passam. Cabe às pessoas reconhecê-lo como música e deixar a questão de gosto de lado.
Para você que se interessou pela temática, ou que quer saber mais, separamos algumas músicas sobre o tema, além do que já foi citado no texto acima. Essa é uma miscelânea, e você vai perceber as diferentes trajetórias do funk que escrevemos acima, desde o funk em sua origem com ritmo americano até hoje em dia.
MC Menor MR e MC Dede — Aonde Nós Chegou
Thaeme & Thiago — Onde Já Se Viu
MC Roger — Porque Se Foi Irmão?
MC Levin — É Fuga na Dona de Casa
MC Jottapê e MC M10 feat. DJ RD — Sentou e Gostou
MC Levin — Brota no Baile da Gaiola
MC Hollywood — Tipo Rave Balança O Popo
Mc Frank — Tipo Colombiano
Mc Créu — Tipo Rei
MC TH — Tipo Ginecologista
O Baile Todo — Bonde do Tigrão
Álbum Funk como le gusta — Roda de Funk
MC Levin e MC GW — Quem eu quero não me quer
DJ GBR — Quem ficou fica, quem foi vai
MC Kekel — Quem Mandou Tu Terminar?
MC BINZINHO — Quem foi que disse que ia dar errado?
Só uma correção, funk carioca não é música, é barulho!