A transposição da corte para o Brasil, em 1808, provocou diversas mudanças que, após um longo período de crise política, levaram ao rompimento formal com Portugal. O grito dado por D. Pedro I, às margens do Ipiranga, em 7 de setembro de 1922, ainda é considerado o marco desse rompimento (e símbolo da independência).
No entanto, a independência do Brasil, na prática, foi um processo longo. Teve como outro marco importante, por exemplo, a elevação a Reino Unido com Portugal e Algarves, em 1815. Além deste, diversos outros eventos alteraram institucionalmente a relação da antiga colônia com a metrópole portuguesa, desde a chegada da família real ao Brasil.
Independência e primeiro reinado
A independência do Brasil foi um caso peculiar no continente americano. Em um contexto de rompimento da maior parte das antigas colônias com suas metrópoles europeias, o Brasil foi o único a preservar o regime monárquico. Além disso, manteve no poder o mesmo governante, D. Pedro I. Desde o seu surgimento como nação plenamente independente, o Brasil se viu cercado por repúblicas comandadas pelas elites nativas.
E por que isso ocorreu?
A resposta para essa questão está nos rumos peculiares que a corte portuguesa havia tomado nos anos anteriores, desde sua transposição ao Brasil. Essa estranha relação com a antiga metrópole seria um dos principais fatores, também, a prolongar a crise política durante todo o reinado de D. Pedro I.
Por que um reinado?
O Império do Brasil foi um dos únicos regimes monárquicos no continente americano. Outras experiências com essa forma de governo ocorreram no continente, no século XIX, especificamente no México e no Haiti. Mesmo essas foram de duração curta, não passando de 10 anos (no caso do Haiti). Enquanto isso, o Brasil foi, por quase 80 anos (de 1822 a 1889), a única monarquia independente na América do Sul.
A manutenção do regime monárquico no Brasil, após a independência, pode ser explicada por dois motivos principais, que expressavam os desejos da elite local:
- Evitar possíveis ameaças à integridade territorial
- Preservar a estabilidade política
É claro que, além desses dois motivos, havia outro importante fator, que tornava mais fácil manter, no Brasil, o regime monárquico: o Brasil JÁ ERA uma monarquia e JÁ TINHA um monarca. A manutenção do mesmo regime, com o mesmo governante, foi uma solução cômoda, e até mesmo imperativa, naquelas condições. Um acordo de elites, para as elites, muitas delas seduzidas pela promessa de uma monarquia constitucional sob D. Pedro I e a possibilidade de governar junto com o rei.
A consolidação da independência
O rompimento formal com Portugal, em 1822, não acabou com a instabilidade política, tanto interna quanto externamente. Houve revoltas em diversas províncias, algumas delas sangrentas. Portugal demorou, também, para reconhecer a independência brasileira, e resistiu como pôde ao rompimento.
A Guerra de Independência
Muitos movimentos considerados “não adesistas” se insurgiram contra a independência, em províncias nas quais os governadores se declararam leais a Portugal. Esses governadores foram os líderes das forças revoltosas locais, representando a resistência, na prática, de Portugal contra a independência do Brasil. Devido à censura da Inglaterra e à impossibilidade de enviar tropas suficientes ao Brasil, a antiga metrópole pouco pôde fazer, além de articular-se na Europa para deslegitimar a independência de sua antiga colônia e dar a retaguarda possível as revoltas nas províncias.
Os principais centros da resistência “não adesista”, no Brasil, foram:
- Pará
- Maranhão
- Bahia
- Piauí
- Cisplatina
Para combater esses focos de resistência, foram enviadas diversas campanhas militares, e os combates duraram até 1824. Dom Pedro I teve de ordenar a compra de navios e a contratação de mercenários.
Na província da Bahia, onde o brigadeiro Inácio Madeira de Melo não reconheceu a independência e o governo de Dom Pedro, ocorreram os combates mais sangrentos. Devido à distância, Madeira de Melo pôde receber o reforço de tropas vindas de Portugal, enquanto não chegavam as forças de D. Pedro. Para sufocar a rebelião, D. Pedro contratou o almirante britânico lorde Cochrane, a quem foi dado o comando da Armada Imperial. Após um longo cerco a Salvador, os revoltosos acabaram se rendendo.
Um cenário similar ocorreu nas demais províncias rebeldes, com diferentes graus de resistência e violência. A centralização do poder sob o regime monárquico e o interesse da Inglaterra na independência colaboraram para o esmagamento das revoltas e para a consolidação do novo país. Com a guerra ainda em curso, D. Pedro I foi aclamado imperador do Brasil em outubro de 1822. Em dezembro, foi coroado.
O reconhecimento externo
O reconhecimento da independência do Brasil por outros países foi um processo lento e difícil. Antes de tudo, era algo necessário, para dar legitimidade ao governo de D. Pedro I e possibilitar o estabelecimento de vínculos políticos e econômicos mais fortes com outros países. Por isso, o reconhecimento internacional da independência tornou-se o primeiro objetivo da nascente diplomacia brasileira.
Os Estados Unidos são amplamente aceitos como o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, o que ocorreu em 1824. Esse reconhecimento ocorreu sob os auspícios da Doutrina Monroe, pela qual os líderes dos EUA defendiam a “América para os americanos”. No mesmo ano, teriam havido os reconhecimentos pelo antigo Império do Benim e pelo Reino de Lagos, antigas monarquias africanas.
As nações europeias, no entanto, eram as mais relevantes no que se refere à busca de reconhecimento por parte do governo brasileiro. Eram mais ricas e mais fortes militarmente, na época, que os Estados Unidos, além de referência política, cultural e econômica. Apesar do interesse pela independência por parte da Inglaterra, a nação mais poderosa de então, os ingleses eram aliados de longa data de Portugal.
Havia um receio geral, por parte das monarquias europeias (que também tinham suas colônias) em legitimar um processo de ruptura como o brasileiro. Além disso, havia a solidariedade tradicional entre os antigos regimes e o medo de fazer algo que pudesse acirrar as tensões no continente europeu. Por isso, o reconhecimento da independência teve de ser negociado, não conquistado.
Para obter o reconhecimento de Portugal, em 1825, ao qual se seguiram os de outros países, o Brasil precisou pagar um indenização de 2 milhões de libras paga aos portugueses. O empréstimo foi tomado dos próprios ingleses, que haviam mediado toda a negociação entre Brasil e Portugal. O Brasil ainda teve de ceder simbolicamente, ao reconhecer D. João VI como imperador honorário.
Tendo vencido a Guerra de Independência (1824) e resolvido a questão do reconhecimento externo (1825), D. Pedro I passou o restante dos seus anos como imperador voltado à grave crise política e econômica interna, que durou até sua abdicação, em 1831.
Como foi o primeiro reinado
Afinal, por que o primeiro reinado foi considerado um período conturbado?
O primeiro reinado foi marcado pelo descontentamento de diversos grupos políticos nas províncias e, também, no centro do poder. Tendo governado por um período curto, D. Pedro I dedicou os anos em que foi imperador do Brasil à busca da consolidação do seu próprio poder, além de conflitos traumáticos com revoltas na região nordestina e na Cisplatina.
A Constituição de 1824 e a longa crise política
Com o rompimento com Portugal, D. Pedro I manteve o apoio das elites locais e de muitos portugueses que viviam no Brasil. Essas elites formaram a Assembleia Constituinte e Legislativa, em 1823, a qual deveria ter o papel de escrever a primeira constituição do Brasil como país independente.
Desde o começo, havia dois grupos principais:
- “Partido” Brasileiro (grupos conservador e liberal)
- “Partido” Português (grupo absolutista)
Disputas entre as duas facções fragilizaram o grupo brasileiro, antes da abertura da Assembleia Constituinte. O grupo liberal-maçônico — que abertamente defendia a limitação do poder do imperador e o seu controle pelo Parlamento — entrou em choque com o ministro José Bonifácio, que determinou o fechamento do Grande Oriente. Seus principais líderes foram expurgados da vida política e exilados para Paris e Buenos Aires.
Posteriormente, Bonifácio entrou em choque com D. Pedro I, demitindo-se do Ministério em 1823. Isso fortaleceu o Partido Português, enquanto Bonifácio e seus irmãos passaram a fazer oposição a D. Pedro I.
O grupo português era composto por quem defendia uma postura ultraconservadora, combatendo os excessos dos liberais maçônicos e também as pretensões da elite latifundiária. Passou a defender a concessão de amplos poderes ao imperador. Em geral, era formado por militares e altos funcionários e comerciantes, que desejavam manter os laços com Portugal a um nível parecido com o de antes da independência.
O projeto constitucional, liderado por Antonio Carlos Ribeiro de Andrada e pelo grupo brasileiro, tomou-se de caráter antilusitano e certo liberalismo, prevendo:
- Limitação do poder do imperador
- Estabelecimento do sistema tripartite de poderes
- Declaração de direitos: liberdade individual, religiosa, de trabalho e de imprensa
Ainda assim, mantinha o caráter conservador, com:
- Critério censitário baseado em renda proveniente de bens de raiz, comércio, indústria ou artes, além de grandes posses para ser eleitor de segundo grau ou candidato
- Garantia da propriedade e do patrimônio individual da aristocracia (terra e escravos)
Expressando os interesses da elite fundiária, esse projeto levou a atritos com o monarca, que giravam principalmente em torno do campo de atribuições do Poder Executivo e do Legislativo. Os constituintes queriam que o Imperador não tivesse o poder de dissolver a futura Câmara dos Deputados, tampouco de veto absoluto. Daí a dissolução da assembleia, em novembro de 1823.
- Pedro I nomeou um “conselho constitucional” para a elaboração do texto constitucional, que foi finalmente outorgada em 25 de março de 1824.
Síntese da constituição imperial:
- Monarquia constitucional, hereditária, representativa e unitária
- Divisão quadripartite de poderes: Moderador (imperador), Executivo, (imperador/ministros), Legislativo (Assembléia Geral) e Judiciário (Juízes e Jurados)
- Legislativo bicameral: Câmara dos Deputados, eletiva e temporária, com legislatura de 4 anos; e Câmara dos Senadores, composto por senadores vitalícios, escolhidos pelo imperador de uma lista tríplice
- Sistema eleitoral censitário (conforme renda anual), em dois graus:
- Eleitor primário: 100 mil réis
- Eleitor provincial: 200 mil réis
- Candidato a deputado: 400 mil réis
- Candidato a senador: 800 mil réis
- Voto indireto para maiores de 25 anos; voto para analfabetos
- Cargos eletivos:
- Deputados
- Candidatos à lista tríplice de senadores
- Membros dos Conselhos Gerais das Províncias
- Organização econômica: manutenção do latifúndio e da escravidão
- Religião oficial: católica romana, com a existência do padroado e do beneplácito
- Padroado: privilégio que o imperador tinha de intervir na nomeação de sacerdotes, no preenchimento dos cargos eclesiásticos e no direito de criação de igrejas
- Beneplácito: direito do imperador de examinar todos os atos da Santa Sé que só entrariam em vigor no Brasil após o ”placet”, isto é, após o consentimento imperial
- O país foi dividido em províncias cujo presidente seria nomeado pelo imperador.
- Conselho de Estado: composto por conselheiros vitalícios nomeados pelo imperador dentre cidadãos brancos com idade mínima de 40 anos, renda não inferior a 800 mil réis e que fossem “pessoas de saber, capacidade e virtude”
Um dos pontos mais polêmicos foi a instituição do Poder Moderador, o que inviabilizava o desejo que parte significativa da elite brasileira tinha de uma monarquia constitucional. A ideia do Poder Moderador provinha Benjamin Constant, cujos livros eram lidos por D. Pedro I e por muitos políticos da época.
No Brasil, o Poder Moderador não foi claramente separado do Executivo. Por seus princípios, a pessoa do imperador foi considerada inviolável e sagrada, não estando sujeita a responsabilidade alguma. Cabia a ele, entre outros pontos, a nomeação dos senadores, a faculdade de dissolver a Câmara, convocando eleições para que outra a substituísse, e o direito de aprovar ou vetar as decisões da Câmara e do Senado.
As revoltas provinciais
A principal reação à outorga da constituição de 1824 foi a proclamação da “Confederação do Equador”, em 1824. Sua figura central foi Frei Caneca, mas Manuel de Carvalho foi quem proclamou a Confederação, em 2 de julho de 1824, em Pernambuco.
Foi um movimento de caráter republicano e separatista, que se alastrou de Pernambuco a diversas outras províncias nordestinas. Com raízes em revoltas anteriores, opunha-se à política centralizadora de D. Pedro I e expressava as profundas divisões econômicas na região. Sofreu uma das repressões mais violentas entre todas as revoltas no Brasil, no século XIX, com mais de 30 líderes condenados à morte.
Já em 1825, uma rebelião regional proclamou a separação do Brasil e a incorporação do futuro Uruguai às Províncias Unidas do Rio da Prata. Este fato precipitou a guerra entre Brasil e Buenos Aires, a partir de dezembro de 1825. A guerra foi um desastre militar para os brasileiros, vencidos em Ituzaingó (1827), e uma catástrofe financeira para as duas partes envolvidas. O tratado de paz que pôs fim ao conflito garantiu o surgimento do Uruguai como país independente e a livre navegação do Prata e de seus afluentes.
Como terminou o primeiro reinado
O reinado de D. Pedro I terminou em um contexto de crise que, de certa forma, prolongou-se durante todo o período em que ele governou. Tendo sido bem-sucedido em seu projeto de rompimento com Portugal, D. Pedro I não foi capaz de superar as contradições entre seu vínculo com a coroa portuguesa e o necessidade de um novo projeto de país.
Por que o primeiro reinado acabou
A abdicação de D. Pedro I, em 1831, foi resultado do desgaste de diversos fatores políticos e econômicos. No entanto, teve papel importante a crise política por que passava, naquele momento, Portugal. Havia a iminência de uma guerra pelo trono português, entre a filha de D. Pedro I, a rainha Maria II, e o seu tio, D. Miguel. Sentindo-se rejeitado no Brasil, D. Pedro já manifestava a intenção de voltar a Portugal há alguns anos, antes de tomar a decisão definitiva de abdicar, em 1831.
De forma geral, portanto, o final do primeiro reinado teve as seguintes causas principais:
- Conflitos políticos entre brasileiros e portugueses, e o surgimento de um sentimento nativista
- Autoritarismo manifestado na violenta repressão à Confederação do Equador
- Fracasso militar brasileiro na Guerra da Cisplatina
- Crise econômica, devido a:
- Profunda queda das exportações brasileiras
- Aumento e criação de novos impostos
- Emissão de moeda descontrolada e sem lastro
- Falência do Banco do Brasil, em 1829
- Endividamento externo, devido a gastos militares e diplomáticos
- Influência, no Brasil, das ideias liberais que circulavam pela Europa
- Situação política portuguesa
Os últimos acontecimentos
A década de 1830 iniciou com um forte crescimento das manifestações de contrariedade ao governo de D. Pedro I. Destacam-se, entre outros eventos, os protestos após o assassinato do jornalista liberal e oposicionista Líbero Badaró, em novembro de 1830, em São Paulo, o repúdio ao imperador em sua visita à Minas Gerais, em fevereiro de 1831, e a Noite das Garrafadas, em março do mesmo ano.
O gabinete de ministros de D. Pedro I, que nunca havia sido muito estável, se tornou ainda mais caótico, em seus últimos meses como governante. Em 17 de março de 1831, foi assinado, por 24 deputados e um senador, um manifesto exigindo a mudança do ministério. Com isso, houve a queda do ministério “português” e a ascensão do ministério “brasileiro”, dois dias depois. No entanto, no dia 5 de abril, D. Pedro I derrubou o ministério “brasileiro” e formou o ministério dos “marqueses” (áulicos). Ainda assim, permaneceu visível a incompatibilidade dos ministros com o Imperador.
A abdicação
No dia 6 de abril, houve manifestações no Campo da Aclamação (hoje, Praça da República), reunindo deputados do Partido Brasileiro, população livre e escrava (domésticos e ladinos) e componentes do Batalhão do Imperador e da Guarda de Honra.
Finalmente, no dia 7 de abril, consolidou-se o que pode ser chamado de golpe político-militar-popular, com a deposição de D. Pedro I. Ele entregou ao major Miguel de Frias, emissário dos manifestantes, um documento em que abdicava do título de imperador em favor do seu filho, D. Pedro II. Além disso, nomeou José Bonifácio, com que havia se reconciliado, tutor do príncipe herdeiro.
A família imperial, com seus assessores palacianos, retirou-se para um navio, que já estava preparado, e zarpou sete dias após a renúncia. No Brasil, iniciaram-se os movimentos para a formação de uma junta de governo. D. Pedro II só seria coroado imperador em 1841, com o Golpe da Maioridade.